do coração.
Não se ouvia mais nenhum
pulsar, murmurar.
O coração estremecia na solidão
silenciosa.
No tremular do ecoar dos vales
desabitado.
É um deserto triste e amargo,
meu corpo inabitado.
(Alan Felix)
Querida Elnora,
É uma tarde comovente de junho, o sol queima como seus olhos castanhos claro. Lembro-me daquele banco na praça que servia de abrigo para o nosso amor. Pousamos nele como passarinhos. Num clima de outono lapidado, bebi nos seus lábios uma poção delirante de lirismo. Exorcizando minha solidão, medo e morte. Doei-me intimamente como notas desprendidas de um piano afinado. Reservei-me dentro de você, como partituras de sua melhor canção. Elnora, talho tais lembranças em cartas póstumas de nosso momento. Deixo-as em garrafas solúveis que se desfazem nas espumas das encostas das praias correio. E a cada pôr-do-sol, você resgata os fragmentos corais de minhas cartas, construindo um mosaico de trechos desconexos que anexam ao seu corpo como algas marinhas. Sim, minha querida, as algas são folhas de papeis mortas que viajam pelo mar em buscar do seu destinatário. E o meu destino se bordou ao teu, formando uma tela de renda arco-íris. Guio-te por este arco-íris para mostrar os vestígios de meus sentimentos, emoções e coração que ocultei em cadernos rabiscado por estranhas mãos. Ausento-me para melhor transcrever você nas entranhas arredias do meu corpo. Insiro tua presença a fundo na minha alma, comprimindo-a no meu corpo para melhor aconchegar você em mim. Habitamos-nos. Assim, trago um tesouro em mim. E um vento de outono assobia entre as árvores nessa tarde nostálgica de junho.
Querida Elnora,
”Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei.
Guardo os versos mais lindos que te fiz!”
(Florbela Espanca)
Hoje fiquei na varanda fumando cigarro, sentei na velha cadeira de madeira, li o poema “os versos que te fiz” de Florbela Espanca. Em alguns instantes, flagrei meus pensamentos fluindo da ponta dos dedos. E conseguia ler em braile tudo que o pensamento queria expressar em letras mortas. Traduzi em versos, estrofes e poemas, toda palavra que invernava em mim. Palavras sonolentas que ficava no meu lábio, que aguardava seus beijos poéticos amorosos para despertar. Fazendo do seu lábio campestre, minha moradia. Um lábio vasto, vermelho das tulipas que o cobria. Tão vermelho que seus beijos eram rubros e ardentes como o sol que é acalmado pelo mar em seu pôr. A calma eruptiva que emerge no entrelaçar dos nossos lábios. Os nossos lábios a tempo não murmuram entre si. O tempo não sente a amabilidade um do outro. O abraço comprimido das bocas no choque imaginário do amor. Meu amor, espero pelos versos não escritos, os sonetos inacabados, os haicai minúsculos que está em seu beijo. Encontrar o labirinto infinito que transparece nas mordidas sutis dos meus dentes. O beijo compositor que se inspira nas linhas delicadas do amor que tenho por ti.
(Alan Félix)