quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A chuva, a vidraça e um instante do tempo


A chuva vagarosamente cai na rua, e pelo vidro vejo o mundo embaçado. Desenho lembranças de momento no vidro. O tédio incorporado nos infantis desenhos. Num momento de distração, ou seja, quando navegamos num barquinho de papel nas correntezas inóspitas das águas brotadas das cachoeiras das calhas. Imaginei um semblante, um toque e um olhar. Diante de tantas distrações logo um amor já muito adormecido, um vestígio histórico de que um dia sentir amor a outro homem.
Pronto! Cá estou pensando em Fernando. Nada demais em pensar num ex-amante. O problema é pensar que ele significou a descoberta de quem sou. Nesse momento que questiono se tudo que vivo é decorrente daquele toque, olhar e semblante. Talvez, acredito que havia algo alinhado no nosso destino, que acarretou nesse desatino de me assumir quer sou. E pensar em quem sou é caótico, tempestivo e vertiginoso.
A personalidade que edifico é como a chuva, num momento branda e suave banhando a pele ressecada das angustia cotidianas. Desta forma, trago uma essência de renovação ao abraçar o próximo. Ao pensar nessa analogia, noto que trouxe esperança ao solo árido de Fernando. Enfim, noutros momentos sou tempestade, chego sem anunciar, destruo e inundo todas as veredas do corpo alheiro, deixando a calamidade na alma.
Não acredito, por isso que Fernando sumiu da minha vida? Eu carreguei tudo de bom que habitava nele, inundei sua vida de esperança, encharcando o solo de sua felicidade, a ponto de embebedar toda grandiosidade transformando num solo infértil.
Quem eu sou? Nesse momento de reflexão ocasionado pela chuva que desejo o latente nos céus convidando a viver o que não sei de mim. Bocejo na vidraça e apago os desenhos e as recordações, enrolo nos lençóis com Rodrigo e assisto a um filme. Amanhã noto que algo novo pode recomeçar como uma bonança que adentra a fresta da janela.

Alan Félix

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Anarquia


Amar é Estado sem governo, total anarquia.

Alan Félix

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Alquimia


Pergunto-me, porque Deus apresenta-me algo que não posso viver. Dar amores que não posso amar, e os amores que posso amar é apenas miragem do meu desejo insaciado. Perco-me na dúvida de sentir. O que realmente de verdadeiro pulsar dentro de mim? Porque os sismos desencadeados a cada pessoa têm intensidades vibratórias oscilantes? Oras, são tremores infindos que desmorona meu coração, e oras, são vibrações superficiais e ilusórias. Apego-me ao ilusório na esperança de conjurá-lo em real. É transformar num processo alquímico o ferro da paixão em ouro do amor. A falha, a falha, a falha sempre se fez presente em mim. A alquimia transmuta a paixão num cárcere de juras, promessas e inconseqüências. Assim, prendo-me em amarras pessoais, nas quais os nós apertam sufocando.

Alan Félix

domingo, 16 de outubro de 2011

O Barulho e o Silêncio


para Lorena Andrade


Sempre vivi com os barulhos das coisas: o coração batendo, a respiração ofegante, a gargalhada estridente e o beijo estralado. O barulho sempre teve uma desarmonia graciosa, uns timbres desconfortantes e irritantes. A criança quando nasce imediatamente faz baralho, é sinal que a vida foi inspirada no respirar. A tristeza trás consigo o barulho das lágrimas e o ruído do soluço agonizante de exorcizar toda dor e aflição. A chuva quando rega a terra com prosperidade e calamidade também trás consigo o som. O som é transcendental, é a origem primeira de tudo, é a gênese lancinante da origem divina. No entanto, o silêncio inebria a vida com a suavidade de suspirar. Na obra mais divina do homem, o silêncio sempre esteve presente no embriagante amor. O amor embebeda de silêncio o ser, é sorrateiro, contagioso e desassossega os barulhos do corpo e da alma, faz da surdez uma benção enlouquecedora. Por isso que amar é silenciar o coração e o respirar.

(Alan Felix)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Mormaço


O mormaço deitasse sobre a cidade, aquele dia que o sol ensaia aparecer, e a chuva desfila tímida nos espaçamentos do dia. O que incomoda de verdade é o mormaço, nem tanto a incerteza do dia em ficar amarelo ou cinza, a tonalidade das cores sempre me atraiu. Mas, o desencanto é remeter o mormaço a paixão agonizante que vivenciei alguns meses. Nossa como alguém pesava tanto dentro do coração e incomodava de viver, respirar e sentir. Porque nada é mais vibrante do que respirar. Não é por acaso que a liberdade sempre é compreendida como um suspiro. Não desvendei os segredos do suspiro, mas sinto a cada suspiro, um mergulho desconhecido nos mares íntimos do corpo, o prazer rápido e silencioso. Num instante entre respirar e expirar desencadeia um balé frenético do universo, e nesse gesto deprimente encontramos o que de mais voraz afirma nossa existência. No suspiro contem uma vivacidade indômita, selvagem... Genealogia de procedência cósmica e infinda. No entanto, aqui o mormaço permanece.

(Alan Félix)

ADEUS AMOR


Hoje o silêncio
é companheiro da cama,
e ao cobrir com o lençol
a saudade lhe desperta.

Onde está o nosso amor?
Carregaste contigo ao dizer adeus,
quando levaste as manhãs de amor
e as canções que tanto dediquei.

Despiu-se das frases românticas
e evaporou como a lágrima indelicada
que cursa o destino plantado
na origem da sua causa.

Não desejo suas palavras cristalizadas,
emolduradas nas imagens de espelhos.
Se partir, traga honestidade na voz,
no olhar e no tempo.

Não me abrace e partas depois,
o corpo anseia por aprendizagem
da solidão, do vago, do nunca mais...
Permita-me ao costume de não lhe ter.

(Alan Félix)